sábado, 27 de abril de 2013

Sem título

 

“(…) viveremos como os outros nos ditam, seremos como nos definem as etiquetas que nos agrafam e diremos apenas o que os títulos, que nos timbram no peito (…)”

Há títulos e títulos. Um título é essencial, pensamos, para decidirmos se vamos investir tempo no que intitula e até que ponto nos vamos entregar ao corpo intitulado. Seja o título que concebemos nos primeiros momentos que ouvimos alguém, esse corpo humano que pede a nossa atenção; o corpo do texto, cujo título tenta nos remeter ao segredo ou à curiosidade; o corpo do dia pelo título do ar do céu da manhã. O corpo. O título.

Mas tantas vezes já fomos surpreendidos, já vimos títulos errados, outros até enganadores. Quando deveríamos ter aprendido a descartar os títulos, a partir à descoberta, a arriscar ser surpreendidos, a deixar que a vida seja um encontro de oportunidades e não um espaço de preconceitos: o que fizemos?

Não só continuamos a idolatrar os títulos como criamos um mundo das tags e as etiquetas, que tendiam a sobreviver em meios muito específicos e no interior das nossas roupas, ganharam um espaço universal. Traiçoeiras essas. Por alguma razão, nos têxteis em geral, vêm atrás, nas costas e não no avesso. Ao menos os títulos estavam à nossa frente.

Visto que o cérebro é movido pelo máximo de treino e tangibilidade, a internet e todo o mundo digital em geral vieram materializar e dar corpo e cor a esse novo mundo, diria antes, a essa nova ordem presidida por uma infalível parceria entre os títulos e as etiquetas: headlines & tags.

Ou resistimos com todas as nossas forças a esta ordem, ou nos tornaremos em seres com uma fita na cabeça com a nossa palavra-chave para quem nos quiser “googlar” no vizinho, t-shirts com headlines escritas pelos outros e um conjunto de tags que nos vão agrafando à medida que socializamos ou não. Cabides de opiniões, de todas menos da nossa. Essa fica para trás, no avesso da roupa interior.

E assim viveremos como os outros nos ditam, seremos como nos definem as etiquetas que nos agrafam e diremos apenas o que os títulos, que nos timbram no peito, dizem.

Será que isto tem apenas potencial para acontecer ou estará a acontecer de facto? És mesmo tu? Estás despido de títulos e preconceitos? Não sentes zonas da tua carne adormecidas pelas picadas dos agrafos ou pelas pontas das etiquetas cozidas na tua pele? És só tu? Tens título?

Estás aí?

in "Estás aí?"
(c) 2012 Manuel Almeida