domingo, 6 de março de 2011

Sonhos à rasca

 

A caixa do correio estava vazia. De qualquer forma abri, é quase um vício, e retirei a pequena mensagem verde, que estava colada ao fundo pela pouca chuva que entrou: “Pedro, desempregado, disponível para pinturas tectos e paredes. Tmv. 931211011”.

Jantei e sentei-me a escrever. A cabeça pesava e os olhos faziam a imagem do monitor intermitente. O papel colado no placar, e pensava no Pedro…

A manhã daquele 12 de Março evaporava já o orvalho da madrugada quando poucas dezenas de jovens já davam o aroma a revolta às ruas da praça. Cartazes, pinturas faciais, t-shirts à

medida, mensagens de luta timbradas no espírito. Os chefes de estado reuniam-se com alguns líderes da manifestação para discutir as propostas e os apoio necessários para injectar, num país dúbio no que toca a passado, presente e futuro, capital de risco que permite às cabeças jovens e criativas fazerem ecoar a capacidade de trabalho portuguesa bem para além de uma praça, bem para além de um país e, porque não pensar grande, bem para além de uma Europa.

Bati com a testa na tampa do Magalhães e vi-me compelido a abandonar o meu trono de imaginação. Troquei-o pelo sofá, já ali ao lado.

De repente as ruas não se viam, e nos jardins da praça, plantados, gritavam revolta desmedida de quem quer emprego onde não há soluções à vista. Diga-se, que não levavam as soluções e propostas para a praça, pois para tal teriam que investir tempo, mas o tempo é para trabalho e trabalho tem de ser remunerado. A manifestação era estranha apenas pela luz do dia, pois o murmúrio imperceptível, a desorganização e o perfume de malte eram os mesmos da noite passada que ainda tinha deixado os copos espalhados, não fossem os varredores da matina ficar sem sustento. Na praça, enquanto os mp3 sintonizavam a rádio Deolinda, as conversas eram de tudo menos do que estaria previsto ali se passar. Aguardavam que alguém levasse um microfone e se iniciassem os berros certos que os fizessem mover-se.

Moverem-se. Foi isto que se perdeu de facto. Onde estão os Descobridores de outrora? Onde está a adrenalina da incerteza na expectativa gerada pelas horas infindáveis de dedicação à conquista dos sonhos?

As costas doíam-me e resolvi a custo ir até ao quarto, puxar a roupa da cama e atirar-me para a paz dos lençóis.

Dei por mim numa multidão aos gritos e só vi uma farda azul aproximar-se de repente quando uma pancada forte me deixou os sentidos em círculos intermitentes. As vozes pareciam vir de um qualquer canal sem rede, qual telemóvel no fundo da garagem. Um brilho repentino ofuscou-me os olhos quando os meus tímpanos estalaram, e a labareda destacou o carro a arder enquanto a sirene descoordenada se estilhaçava. Agarrei-me a uma camisola e levantei-me. O palco tremia e, não fosse o excessivo populismo à mistura com todos os conceitos de desafinação possíveis, bem que se poderia antever uma final do festival da Eurovisão – despretensiosa humildade, a nossa.

O sono profundo tomou-me conta dos sentidos e vi-me a rever todos os momentos numa sequência desordenada de slides emitidos pelo subconsciente.

Percebi que a adesão tinha sido grande, mas o cansaço não me deixou ver se aqueles que ali lutaram, estiveram até às últimas gotas de sangue ou de cerveja. Tentei cerrar suavemente os olhos e rodopiar para a zona mais fresca do lençol na esperança de criar a batota necessária para que tudo acabasse da melhor forma.

Dispersavam-se vitoriosos e a limpar as gotas de suor – sorri pelo cenário bem conseguido – escorria nas cabeças a tão desejável força anímica que incorpora qualquer jovem empreendedor, na procura incessante pela realização dos seus sonhos, enquanto investe umas horas num ganha-pão. Os truques da memória, delirava eu, não me deixavam ver se teriam apenas ocupado o tempo num dia irreverentemente divertido ou se, por outro lado, tinham movido mentalidades, mesmo que fosse à tangente (ou rasca se preferirem).

Lembro-me de pensar que estaria a misturar sonhos. Não que me surpreendesse ver partidos de esquerda a marcarem presença, mas, encontrar aqueles que, como escreveu Catarina Carvalho em “Força Anímica”, «protegem os empregos e não o trabalho», atiçando as almas sedentas de orientação num discurso inteiramente populista e dedicado ao salário auto-indemnizatório, fez-me pensar se esta revolução, que quero acreditar ser do não-conformismo e do não “baixar de braços”, não seria um simples e discreto soco esquerdino dado bem de repente sem que se pudesse ver de onde vinha. Faltaria consistência aos ecos daquela tarde?

Acabei a virar a almofada e a criar um final feliz. Vi que estavam a dar o primeiro passo para que os governantes do nosso país percebam que têm de tirar os olhos das vias rápidas, dos feudalismos das portagens e dos cortes repreensíveis à economia e reencaminhar os esforços para arriscarem capital da criatividade e força de trabalho dos jovens portugueses.

Não é seguro? Não, é a solução. Segurança já não é estabilidade há muito tempo, e muito menos crescimento. O desemprego não pode ser visto como uma causa. O país está a ficar com borboto nos trapos e o estômago a dar horas. A energia está para os dias de hoje como o salmão defumado para o tempo dos nossos pais. É para aqui que vocês têm de olhar.

Agarrem o recibo seja ele de que cor for e escrevam nas vossas bandeiras as vossas ideias, as vossas soluções. Sim, aproveitem a boa vontade que as televisões têm tido com o chavão “rasca”, e façam-se ouvir. Mas não somente de protestos, mas sim de soluções, digam o que têm para dizer, o que gostariam de fazer ou que fosse feito. Se eles são muitos e incompetentes então substituam-nos. Não é preciso um referendo para saber que teriam todo o apoio.

Mas uma coisa é certa: se querem mais do que fazer barulho numa tarde de sábado, terão de ser tão concretos em soluções verdadeiras, fortes e fundadas, como os políticos deste país nas suas promessas eleitorais. A única diferença é que vocês são os filhos do povo, e dirão a verdade – pelo menos é essa a educação neste país. É isto que não se deve esquecer. Sozinhos ou juntos (para serem mais fortes), estão a representar a vossa geração e a de quem vos suporta. No fim, como pai, só gostaria de ficar orgulhoso. Atitude.

O desemprego não poderá ser sempre um estado de sítio. O desemprego tem de se transformar numa nova oportunidade para fazer mais e melhor, para mudar, para inovar, para ser, se necessário – e bem que o é – radical. E os governantes: abram estas vias, as vias da informação, as vias do investimento, invistam o pé-de-meia dos vossos orçamentos no desenvolvimento, na investigação, na interacção. Criem oportunidades, não para os jovens, mas com eles.

Já em profunda meditação cerebral, acreditava que não tinha sido um protesto porque havia um protesto. Acreditava que, depois de tudo aquilo, todos eles atiraram-se novamente à vida e a agarrar a primeira oportunidade.

Queria muito que as razões, os actos e as consequências fossem de facto louváveis. É que eram tantos... E estavam lá todos. Perdão, todos não, quase todos. O Pedro ouvia a manifestação em directo na rádio, enquanto pintava, a sua semanada, em movimentos solenes nas paredes da sala do 1º esquerdo, lá no prédio.

M.A.

Agarra agora uma oportunidade. A tua vai lá estar. - http://www.novasoportunidades.gov.pt/

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