domingo, 13 de março de 2011

A vida num micro-ondas

“A tendência para fazer tudo mais rápido arrebatou a vontade de ter tudo a uma velocidade frenética e à mão de semear.”

Arranjava-se uma dessas embalagens próprias, ou não, e deixava-se uns minutos às voltas e voltas no prato interior. Na tigela, derretia o rolo de papel enlaçado com a fita da cor do curso no qual se investiu uns bons anos de vida. Esperávamos que, no fim do tempo assinalado pelo som intermitente, a tecnologia tivesse rapidamente transformado e colocado na tigela uma vida estável, um bom emprego, poucas preocupações e que de sacrifícios nos ficássemos pelo trânsito das ruas no caminho de ida e volta para o trabalho – perdão – para o emprego.

Pois é. Cantávamos que nem galos.

Alguém enganou alguém e esta tecnologia maravilhosa tinha os seus quês.

O raio das letras miúdas, nas contra-indicações, não deixava ver que o micro-ondas era como uma espécie de droga que transformava qualquer alimento, cozinhável no mágico electrodoméstico, num vício exponencial que nos entregava uma vida fácil e de abundância colocando no esquecimento o sabor do forno a lenha e as propriedades tão saudáveis que a vida que os nossos avós conheciam nos trazia.

O potencial que este vício, ou mania se quiserem, trouxe para os que estão atentos, e sabem aproveitar todos os declives da sociedade, era de facto apetecível de ser alimentado. E assim o fizeram. Encheram os bolsos tempos a fio e facilitaram a vida aos pais que viriam a facilitar a vida aos filhos, afinal, a vida era até algo bem estável, seja lá isso o que for. Para aqueles que já não iriam usufruir de todo esse comodismo e que teriam já vivido as suas épocas de contenção e sacrifício, foi também certamente uma bênção ver que a vida dos filhos não teria caminhos tão tortuosos quanto os que o passado lhes reservara. Nem quiseram encher-lhes a cabeça de conselhos, julgavam, fora de prazo, não lhes fosse colado um post de obsoletos para a vida.

Pois é. Hoje grasnamos que nem patos.

A tendência para fazer tudo mais rápido arrebatou a vontade de ter tudo a uma velocidade frenética e à mão de semear.

Achamos que batemos no fundo? Isto não é nada. E por favor, paremos de gritar. Não fomos cobertos por malária, a terra não tremeu pela ignorância de quem governa e não houve tsunami que nos afogasse. Isso é estar à rasca, isso é aflição e pânico. O que nos define como seres humanos é a capacidade com que nos levantamos e mudamos após o caos, seja ele qual for.

Os gritos ouvem-se por um curto período de tempo, mas depois, ensurdecem todos os que vos rodeiam. Agir, nos dias de hoje, não é somente procurar o livro de reclamações e encher até que acabe para no fim pedir outro. Agir é, criar estatutos e soluções, programas e projectos, criar associações cívicas, agir com resultados, abrir mentes, mover o país e não um ajuntamento de milhares.

Este ano, no Dia Internacional da Mulher, não conseguimos ver qualquer reportagem sobre aquela manifestação que solidários e promissores jovens fizeram contra a inoperância dos governos e às feitiçarias das leis, defendendo as mulheres, mães ou não, deste país – não que o problema não ultrapasse fronteiras. Pois não, não vimos. Pois não, não houve. Se, à semelhança do que se passou no passado Natal, com a solidariedade para com o banco alimentar, a televisão se lembrasse que o Dia Internacional da Mulher seria um bom assunto para renovar audiências, talvez o resultado fosse diferente.

E que sofre de forma física? Como desejava que as mulheres e crianças deste país, que sentem pelo menos uma forte pancada por dia, abrissem um evento nas redes sociais e que movessem assim milhares, com ou sem televisão. Que as associações de apoio às vítimas de violência doméstica se fizessem ouvir de quando em vez ao país e as orientassem numa jornada de coragem. É que quem sofre realmente não tem tido tempo e espaço para se revoltar. É quem discursa que se ouve, e não quem chora. Manifeste-mo-nos por isto, então.

E quem de fome padece? A fome não é de hoje. Quem quiser, pode todos os dias tirar as lentes de contacto que retiram o medo da realidade e ir para as ruas olhar com atenção. Embrenhem-se na noite e sintam medo. Sintam o medo do que vos poderá esperar, sintam o que é bater no fundo. E depois decidam fazer algo. Juntem-se e ajam. Manifeste-mo-nos por isto, então.

E quem vê a vida ao longe? Não é de hoje que o cancro e outras doenças assassinas matam milhares. Mas os fundos necessários para ajudar quem padece estão constantemente no fundo, enquanto idosos têm de pagar quatro rodas que os movam ao hospital e crianças vindas dos PALOP morrem, aguardando pela lenta e ineficaz burocracia que não chega a tempo de lhes salvar a vida. Manifeste-mo-nos por isto, então.

É nisso que o voluntariado é rico. Em experiência. Sujem as mãos por um tempo, sintam o desperdício humano, aliem-se aos que já sabem, rodeiem-se dos melhores, ensinem o que aprenderam e ouçam o que têm para aprender, percebam o valor do silêncio e do grito na altura certa, partilhem o que têm e o que não têm.

Queremos mais ou queremos melhor? Para quem? Para nós ou para as gerações vindouras? Para os que têm algo ou para os que nada têm? Enquanto nos manifestarmos apenas quando a poeira nos toca e nos faz tossir, nunca vamos promover o que é necessário e, estaremos a cometer, e a promulgar, o mesmo erro que todos os outros, mas no outro sentido. Se, por outro lado, nos manifestarmos apenas porque sabemos que essa poeira é errada e faz mal à sociedade, estaremos a fazer a coisa certa.

Nessa altura, não iremos cantar de galo nem grasnar por instinto. Nessa altura os miúdos dividirão a mesada na medida certa, não irão gastar mais do que ganham, vão empreender as suas poupanças e vão tirar para doar. Nessa altura, vão saber que na vida podem precisar da mão de alguém e que isso não é vergonha nenhuma. Vão saber que, se na medida certa forem grandes e humildes por dentro, poderão investir a sua capacidade e criatividade para tornar o mundo melhor. Poderão cumprir a sua missão na vida, deixar a sua marca na sociedade, no mundo, na família, onde quer que existam.

Agir e dar o exemplo é o melhor manifesto que podemos aplicar na vida para promover o que é necessário. O que temos de promover? É simples, é aquilo que mantém o copo meio cheio, aquilo que mantém os pratos da balança lado a lado. O equilíbrio. Promover o equilíbrio.

M.A.

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