domingo, 29 de maio de 2011

Em fim de vida

ma - em fim de vida

“Fará sentido termos nas mãos o comando da vida de quem amamos?”

Olhei-o. Tinha um aspecto acabado, resignado ao destino que de uma forma ou de outra o esperava.

Tentei arrancar dele um movimento, sentei-me e fui puxando por ele. Tentou. Tentei. Quando parecia que se ia ouvir algo dali, a força da vida que outrora senti, desistia. O problema já não tinha resolução. Era de facto a altura para tratar - tinha de ser eu - de facilitar o término da vida.

Olhei-o. A cor já não era a mesma, o odor já não era o mesmo, a energia desvaneceu-se. Mas era meu. Só meu.

(…)

Ali, aprende-se a saber esperar, para no fim, simplesmente acabar. Acabar naquele momento em que nós, que cá ficámos, sentimos a dor da estranha mistura entre a tristeza e o alívio, diria, satisfação vestida de compaixão.

Fará sentido termos nas mãos o comando da vida de quem amamos? Desligar não tem volta, é botão que só se usa uma vez. Será que o zapping diário, que comuta interminavelmente sempre no mesmo canal, esperando o fim das baterias, é coisa digna?

Será que temos de aceitar a doença, na vida e até ao fim, com toda a dor que ela nos traga? Será que temos de viver e aceitar esse facto quando podemos unicamente contar, por exemplo, com a visão, o sentido que a única coisa que nos deixa ver nessa fase é aquilo que não somos e que não temos.

Onde está a razão? A questão é que o limiar da verdade do conceito de vontade própria não é algo que se defina numa lei, num texto. Não é algo que se possa dar como certo ou errado. É algo que não se sabe. É algo que se sente.

São estas dúvidas sem resposta certa, são estas respostas sem pergunta, que nos são dirigidas pela vida. Porquê? Porque só nós temos a capacidade de lidar com elas, mal ou bem. Porque só nós nos deleitamos nos dias rasos e nos amarguramos em lua cheia. Porque só nós somos isso… humanos.

É o destino, sofre-se. Mas será preciso?

in "Um momento, por favor…"
(c) 2011 Manuel Almeida

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