domingo, 9 de outubro de 2011

Esferovite

ma - esferovite

“Entre histórias, julgamentos e juízos de valor, estão vidas. Vidas que nascem com uma revelação em filme negativo antes mesmo de serem reveladas.”

A rua principal, a Rua dos Perdidos e Achados, é numa parte da cidade movimentada numa serena normalidade onde trinta por cento é comércio usual e, o restante, habitações. A travessa, apadrinhada de “a rua do lixo”, tem cerca de quatro metros de largura, paralelo gasto e coberto pela areia, que adora ali ficar, e três contentores dispostos numa igual distância entre si. O primeiro contentor, o mais novo e limpo, na entrada, que é o mais usado pelas portas da rua principal; o contentor de meio, quase nunca usado, no meio da rua, parte há muito abandonada pelos inquilinos do único prédio ao que se junta as traseiras do restaurante de outrora; o último contentor, pouco renovado e usado para servir de alvo a latas e garrafas de cerveja, estava no que chamam de as traseiras do lixo, entrada escura, que desemboca num aterro, por onde só entra o camião do lixo para evitar manobras complicadas na rua principal.

A noite cerrada e morna já abraçou a rua há cerca de quatro horas. Os três contentores abrem-se silenciosamente. Largam as tampas e, quais tambores de peito, uma sequência de rufos entoa num som grave e estrondoso a que seguem passos em correria desenfreada ao mesmo tempo que se ouvem três badaladas que descem vertiginosamente do cume da igreja e fluem num eco infinito que se repete vezes sem conta pelas secas paredes daquele estreito caminho. A travessa escondia agora um segredo…

(…)

Como tudo acabou? Por agora, como preferirem. De uma forma mais confortável e sonhadora ou num tom mais frio e real.

O que leva vidas às travessas do abandono podem ser nascimentos sem amor, vidas sem paz, vidas com álcool, droga, miséria, insanidade definitiva ou temporária ou, até mesmo, uma sociedade dormente de tão sucessivas pancadas com que nos atordoam no dia-a-dia e que nos fazem perder a consciência do tempo que temos para pensar se fazemos ou não efectivamente parte de tudo isto.

(…)

in "Um momento, por favor…"
(c) 2011 Manuel Almeida

Não abandones. Acolhe.