domingo, 2 de outubro de 2011

Olá Justiça, fala-me de ti!

ma - justiça

“A justiça está hoje para a sociedade como as ideias para as empresas: ou rapidamente as põem em prática e se tornam eficientes ou são derrubadas dia após dia.”

Tantos caminhos tortuosos, obscuros e sinistros, que nos dão o conforto demente de recantos espinhosos com perfume de normalidade e disfarçados de segredos inimagináveis, incríveis e, no fim, inacreditáveis.

(…)

Não consigo explicar, àqueles sobre os quais tenho a responsabilidade da educação, as mil medidas de peso que existem nas balanças dos tribunais e que deixam hoje, num prato, corpos cravejados de balas, uma mulher flagelada ou uma criança atormentada, e, no outro disco, o conforto domiciliário disfarçado de prisão, a rua com visitas marcadas à autoridade, o prato de quem é corrupto, o prato de quem mata, enfim, os pratos de quem desenha um crime na sua vida e o partilha com inocentes, aqueles que desvendam a sua obscuridade e que depois, qual casa dos segredos, são libertados para o meio de nós ou para onde lhe for mais confortável.

Quis falar com ela. Pedi-lhe, para uma entrevista, que me dispensasse um pouco de tempo, mas disse-me que não o tinha. Aproveitei no entanto a resposta para lhe perguntar de imediato o que sentia, se a balança lhe pesava mais, se sentia o peso da idade e qual a sua opinião sobre os resultados oriundos das duas decisões mergulhadas em burocracia, jurisprudência e pouca, muito pouca, inocência.

Ouvia-a. Com um ar velho de sábia empertigada, segura de si mas trémula, ergueu olhar e queixo deixando sair um tenor de rouquidão de sussurros misturados com interjeições asmáticas sobre a idade das leis, que mais se assemelhavam a bíblias tão dependentes e viciadas em interpretações que são.

(…) Em tempos gélidos de humanidade mais confiança havia em meu ser, já hoje nada sou, sou o que há, o mais próximo do que pode obter, o mais chegado ao sentimento do conforto que a dor permite, o mais parecido que há de mim, eu, a justiça que sobra hoje.»

(…)

Às gerações vindouras, aos nossos filhos, que o futuro lhes reserve caminhos de bom senso, talvez consigam sobreviver às noites secas e de manhã, quando acordarem dos sonhos que lhes contamos, possam escrever novos destinos, novas leis, talvez possam trazer os filhos da justiça, fortes e jovens, que tanto viram a mãe oscilar. Que tragam às sociedades um novo alento naquilo que hoje chamamos de… “a justiça que temos”.

in "Um momento, por favor…"
(c) 2011 Manuel Almeida

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