“Fará sentido termos nas mãos o comando da vida de quem amamos?”
Olhei-o. Tinha um aspecto acabado, resignado ao destino que de uma forma ou de outra o esperava.
Tentei arrancar dele um movimento, sentei-me e fui puxando por ele. Tentou. Tentei. Quando parecia que se ia ouvir algo dali, a força da vida que outrora senti, desistia. O problema já não tinha resolução. Era de facto a altura para tratar - tinha de ser eu - de facilitar o término da vida.
Olhei-o. A cor já não era a mesma, o odor já não era o mesmo, a energia desvaneceu-se. Mas era meu. Só meu.
(…)
Ali, aprende-se a saber esperar, para no fim, simplesmente acabar. Acabar naquele momento em que nós, que cá ficámos, sentimos a dor da estranha mistura entre a tristeza e o alívio, diria, satisfação vestida de compaixão.
Fará sentido termos nas mãos o comando da vida de quem amamos? Desligar não tem volta, é botão que só se usa uma vez. Será que o zapping diário, que comuta interminavelmente sempre no mesmo canal, esperando o fim das baterias, é coisa digna?
Será que temos de aceitar a doença, na vida e até ao fim, com toda a dor que ela nos traga? Será que temos de viver e aceitar esse facto quando podemos unicamente contar, por exemplo, com a visão, o sentido que a única coisa que nos deixa ver nessa fase é aquilo que não somos e que não temos.
Onde está a razão? A questão é que o limiar da verdade do conceito de vontade própria não é algo que se defina numa lei, num texto. Não é algo que se possa dar como certo ou errado. É algo que não se sabe. É algo que se sente.
São estas dúvidas sem resposta certa, são estas respostas sem pergunta, que nos são dirigidas pela vida. Porquê? Porque só nós temos a capacidade de lidar com elas, mal ou bem. Porque só nós nos deleitamos nos dias rasos e nos amarguramos em lua cheia. Porque só nós somos isso… humanos.
É o destino, sofre-se. Mas será preciso?
in "Um momento, por favor…"
(c) 2011 Manuel Almeida