quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Carta de Natal

ca2011

“Um minuto analgésico para alguém, o desenho de um sorriso na boca de uma criança”

Tão confusos que estamos. Problemas que transbordam mente e coração, começam na ponta de uma assoalhada e atravessam a rua. Deslizam sob a ponte onde, a intermitência do lampião, esconde a fome coberta pelo jornal de ontem. Essa brisa gélida, que atravessa o mundo e toca em corpos desnutridos, ecoa em forma de grito. Da noite faz-se dia quando do dia se faz noite. É a magia do fuso horário que não consegue fazer, apesar de tudo, um segundo de terror voltar a trás, seja qual for o hemisfério.

Os que têm e os que não têm.

Neste Natal vamos escrever. Vamos recitar desejos na ponta dos dedos. A força da gravidade vai empurrando a tinta até à esfera e, como que por um acto de magia, da ponta que já foi pena, nascem para o papel palavras de ansiedade que desejam ardentemente o bem. Um minuto analgésico para alguém, o desenho de um sorriso na boca de uma criança, que de um pão se façam dois, que um rasgo de consciência desvie o homem do bar antes de entrar em casa, que um avião simplesmente não caia, que nada descarrile, que morteiros não iluminem caminhos, que num qualquer lugar deste mundo alguém, mesmo alguém, seja um pouco mais feliz, que tenha um pouco mais de sorte, enfim, um pouco melhor. Amanhã desejamos mais novamente.

Abrimos a caixa devagar e invertemos para que o fósforo caia. A fricção dá lugar à chama. Soltamos a brasa nas palavras quentes e deixamos que as cinzas acompanhem as nossas mais profundas aspirações. Vamos acreditar e sorrir. Vamos à ceia porque a noite já é melhor. Mais tarde podemos repetir.

Vamos esquecer as barreiras aos nossos sucessos porque temos força para as derrubar. Vamos esquecer as contas à nossa conta porque temos amigos para ajudar. Vamos esquecer os problemas do dia-a-dia porque temos trabalho para fazer. Vamos esquecer as birras porque os miúdos têm de crescer.

Vamos. Vamos antes esquecer.

Vamos desejar força para os filhos da rua, um lanche à nossa conta nos que não têm prato. Vamos desejar uma noite quente para que o sono de alguém seja digno. Vamos desejar perceber o que são, de facto, problemas com a verdade crua. Vamos desejar chegar a casa, a que temos, e ter um abraço que sempre recebemos. Vamos festejar com os amigos porque os temos, e eles lá estão.

Vamos. Vamos antes desejar.

Faço minhas, as palavras legadas de uma lenda da música: Poderão dizer que sou um sonhador, mas não sou o único.

M.A.

Acredita. http://www.acreditar.org.pt/index.php/como-ajudar.html