sábado, 18 de dezembro de 2010

Restos de Pátria

missuamplu
 
“Nas costas escrevemos “verecundia” e, na tampa do contentor, a servir de mesa, estendemos a bandeira das quinas.”

Neste fim de ano, só para ser diferente, somos mais. É curiosa a sequência pela qual o vírus da crise ordena a sociedade e arranca para assolar as nossas vidas. Nunca chega aonde há mais, mas começa sempre onde há menos.

Bom apetite a todos para a noite de consoada. Acho que vou na receita da senhora das sobras. Trinchar o peru na noite mágica ao som de um país com vácuo no estômago tira-me o apetite. E a ti?

Num mês em que o Natal se confunde com eleições presidenciais e fugas digitais, a dúvida assalta-nos e deixa o comum dos mortais a pensar se quem fala é presidente, candidato ou Pai Natal. Quem tem vergonha afinal? Deve ter sido o candidato, porque o Sr. Presidente já deve cá estar há tempo suficiente para saber que fome não falta no nosso rectângulo, e o Pai Natal não nos surpreende desta forma.

Que candidatos nos restam? Concordo que restos não vão resolver nada. Hoje temos o professor… e o resto. Mas já percebemos que não é por aí. De facto, nota de bom comportamento não há, para quem profere tão eloquente combinação de palavras, que transforma as sobras que dão a única refeição a uma boca, no raio dos restos.

Então é assim, senhores. Fome não é vergonha nenhuma, é um sinal do nosso organismo para uma necessidade básica inerente à vida. Viver à custa do seu próximo é que é de facto um verbo adjacente à vergonha. Este país faz-me lembrar as balanças da feira com a pedra no saco dos figos. Além de calibrada para o desequilíbrio, ainda leva o seixo para a sopa.

Quanto aos restos: são sobras, senhor! O que sobra, só é desperdício se for para o lixo ou para os bolsos de quem mais tem. O que sobra também alimenta! Mas tentemos ser pedagógicos. Faça assim: quando estiver quase a terminar a sua refeição, pouse a graça dos talheres e olhe com atenção. Vai comer? Olhe que isso são restos. Os restos da sua refeição. Vá, não se acanhe, termine. Termine que a minha mãe já dizia: “Come filho que há muita criança a morrer de fome”. É profeta a mulher.

Vamos à fotografia. Um postal de Natal para enviar aos nossos governantes e candidatos. Um pedaço de pão no molho que sobrou da feijoada e, com um sujo gorro de Natal, os olhos do puto, ansiosos pela degustação.  Temos de vestir a criança. Pode ser com a camisola de Portugal. Nas costas escrevemos “verecundia” e, na tampa do contentor, a servir de mesa, estendemos a bandeira das quinas. A distância certa para objectiva apanhar o letreiro do restaurante “O nosso Portugal”. Uma ardósia pendurada faz o menu. Escrito a giz branco, temos o prato da noite: “Restos de Pátria (para 4 pessoas)”.

Dá a mão: www.casa-apoioaosemabrigo.org/comoajudar.html
M.A.