domingo, 23 de janeiro de 2011

Dar para receber

 

Mentes brilhantes juntam-se para estudar o fenómeno da pobreza no mundo. Prémios Nobel da economia e da paz, em conjunto com os melhores sociólogos do mundo, concluíram que existem milhões de orçamentos familiares com rupturas que não fazem qualquer sentido, com rubricas totalmente desnecessárias ou com valores perfeitamente redutíveis.

O primeiro passo é proporcionar às pessoas formação sobre o tema, de forma a sensibilizar as almas, cobertas do síndrome "falta de tempo", de que é possível fazer algo mais hoje do que se fez ontem. Há duas entidades nesta ideia que têm de ser trabalhadas: a primeira, os estados, a doar essas iniciativas através dos seus recursos, a segunda, os agregados familiares, que naturalmente necessitam de um resultado convicto e vantajoso como incentivo à participação: os ganhos.

Sendo assim, e retirando da mesa o factor corrupção, este grupo de homens e mulheres decidiu iniciar por criar um programa dividido em fases.

Na primeira fase as famílias poder-se-ão candidatar e obter uma embalagem que trará, além dos prospectos e dicas importantes para a sensibilização, um pacote de formação presencial, nos institutos de emprego ou instalações da segurança social, onde, com a ajuda de técnicos, poderão aprender a decidir qual o objectivo de poupança que podem tentar aplicar ao seu orçamento.

Têm assim quinze dias para exercer o direito à formação e obter toda a ajuda de forma a definir a melhor estratégia para reduzir as suas despesas. No final do processo deverão entregar o seu orçamento actual com as rubricas que serão alvo da estratégia definida para a poupança. Depois é só ir para casa e começar, com vontade, muita vontade.

O investimento inicial de dez euros pode ser devolvido se ao fim de três meses de sucesso apresentarem essas provas por via electrónica ou presencialmente numa das delegações que irão ser criadas a partir da Fundação, que estará, inerente ao projecto. Se não o fizerem os dez euros reverterão para o Fundo de Poupança Familiar do programa.

Inicia-se a segunda fase e o processo de inscrição é realizado após a definição de um limite mínimo de poupança a obter a partir do valor atingido pela família. O responsável de cada família assinará um acordo de boa-fé para que a poupança, que até agora era despesa, a partir do valor mínimo definido, seja dividida em duas partes iguais: uma fica na família e a outra é transferida sem custos para uma conta, inerente ao fundo do programa, em forma de investimento. É desta conta, deste Fundo de Poupança Familiar (FPF) que tudo irá nascer.

O grupo de trabalho está incansável e motivado com todos os resultados definidos a partir das ideias que foram para cima da mesa.

O projecto está a nascer de forma consistente e simples. As regras e a logística estão bem definidas, e agora é necessário resolver o próximo desafio: gerar lucro daquelas doações que são interpretadas como investimentos por parte dos candidatos. Sim, porque se o valor obtido for directamente aplicado para apoiar o combate à pobreza, não irá erradicar o flagelo mas sim, apenas, ir tratando algumas feridas, o que já é realizado pelo louvável e incansável trabalho dos voluntários das diversas Associações existentes que lutam por todos em troca de sorrisos.

O grupo de trabalho decidiu: é aqui que os governos e os seus líderes são chamados à razão. O projecto "Savings Exchange" (com representação em Portugal pela Fundação "Dar para Receber" – vamos manter a consistência com as traduções dos filmes) propõe-se a que as angariações obtidas no FPF sejam aplicadas em investimentos de apoio à criação de empresas, através da participação de capital ou de outras iniciativas. Por exemplo, em termos de crédito, as instituições financeiras darão, para o projecto, a sua prova de responsabilidade social bonificando as taxas de uma forma sustentável.

Todos os promotores envolvidos têm, assim, uma forma alternativa, mais fácil e menos burocrática de obter os recursos que necessitam para arrancar com os seus projectos. A contrapartida, denominada Royalty Social, não é mais que um valor, calculado a partir de um rácio que tem como base o apoio atribuído pelo fundo e, que é aplicado à facturação mensal da empresa.

Os royalties sociais revertem inteiramente para um fundo paralelo, o Fundo de Investimento Social (FIS), que é inteligentemente gerido com aplicações financeiras que garantem um valor algo acima da média das contas poupança e dos velhos certificados de aforro.

O facto de um Governo poupar, através do uso do FPF, os lotes de apoio concedidos para a criação de novas empresas, faz com que essa diferença seja também uma poupança no orçamento, desta feita, de estado. Sendo assim o estado fará também a respectiva participação no projecto doando esse valor, mas, para o FIS.

Todos os anos juntamente com o IRS, as famílias inscritas, receberão nas suas contas um rendimento proveniente do fundo. O valor desta participação é calculado, a partir do valor investido pela família, com base numa fórmula financeira que tem em conta a taxa de esforço da família e obviamente a relação entre o número de famílias inscritas e o valor de royalties obtidos acrescidos da participação do estado.

Na paisagem citadina estão as instalações da delegação na cidade. É uma casa térrea, quadrada com cerca de 4 divisões e toda pintada de branco com uma porta automática. A porta fechou-se e o homem desceu o lanço de escadas de pedra enquanto segurava nas mãos um prospecto. O enorme e trabalhado portão gradeado a ferro preto servia de meta de partida para a leitura.

Era um tripartido, de papel reciclado pintado a preto, onde se liam em letras grandes "Dar para Receber" e centrada por baixo, em Arial 8, "Projecto Savings Exchange". Enquanto abria o prospecto e lia o primeiro tópico "o que é?", saiu para o lado direito, caminhou cerca de dez metros e entrou num familiar citadino em preto mate com matrícula do mês passado. Abriu a porta do lado do condutor, sentou-se sorrindo à esposa que, sentada de lado no banco da frente brincava à sardinha com a miúda. Tinha cerca de doze anos, cabelos loiros e uns olhos cheios de esperança. A boca repetia a ordem de leitura até o pai se render aos seus desejos.

Em voz alta leu a parte final do prospecto: «… e assim receberá anualmente uma participação de resultados gerada, a partir de metade da porção de poupança conseguida e investida, neste fantástico circuito onde o sistema financeiro se junta com o social e onde as maravilhas da economia e da solidariedade trazem à tona a essência humana. Obrigado pela sua participação».

Depois de todos colocarem o cinto o carro arrancou.

Agora os filtros de noite são aplicados à imagem dando a sensação de que saímos da dimensão de um sonho para a realidade. Suspensa por cabos a câmara em velocidade de cruzeiro percorre a rua enquanto se sente o vento chegar e arrastar as folhas de Outono que cobrem o chão. Na imagem vemos agora o portão de ferro e subimos repentinamente o lanço de escadas. A porta já não existe. A sala de entrada, pintada de branco não tem luz a não ser a da noite. Não há balcões nem assistentes sorridentes. Tudo vazio. Uma folha branca no chão tenta voltar-se com a ajuda da corrente de ar, quando, um movimento repentino no canto da sala nos chama a atenção. Um sem-abrigo ajeita, dentro do seu caixote de cartão canelado, a sua manta aos quadrados vermelhos e pretos. A força do vento aumenta e uma janela abre-se. Novamente a folha. O vento volta-a e arrasta-a até ao centro da sala, bem aos nossos pés. A luz da lua faz realçar as três palavras do anúncio: mentes brilhantes precisam-se.

M.A.

Poupa e divide. Ganha e dá.

Investe incondicionalmente: http://www.bvs.org.pt/view/viewPrincipal.php