domingo, 30 de janeiro de 2011

4 milhões de quê?

missuamplu 

“Talvez um dia, no pouco tempo que resta das vinte e quatro horas que passamos em redor de nós mesmos, consigamos atingir a outra dimensão e ver mais. Não me refiro à dimensão daqueles que já partiram, mas sim daqueles que ainda cá estão(…)”

Ano europeu do voluntariado. Foi uma campanha de uma logística interminável que se suportava num orçamento que continha, no lado do activo, a rubrica, entre várias, relativa a donativos. Embora não aderindo às novas tecnologias para a obtenção de fãs, podemos comparar o sistema de angariação à nova técnica de campanhas que se usam na rede social Facebook para angariar a solidariedade à distância de um clique no botão «Eu gosto». Neste caso são meros boletins através dos quais cada cidadão pode aderir à causa admitindo um “Eu gosto”.

O problema é que a campanha mobilizou recursos que fizeram investir milhões de euros para conseguir apenas um assento dos cidadãos nos boletins. Graças ao estado, existe um milagre chamado subvenção estatal que recompensará o esforço de quase todos, com 3,8 milhões de euros a serem então distribuídos pelos candidatos, sendo que, para o vencedor vão 50 por cento. Mas se uns ficam a ganhar outros ficam a perder, no entanto, aí temos os donativos através dos saldos da conta à ordem e os euros de amigos.

Esta é a pergunta de um milhão de euros: O que são quatro milhões de euros?

São centenas de apadrinhamentos à distância que garantem as necessidades básicas e educacionais de centenas de vidas de crianças, dos 8 aos 18, em terras de África. Segundo os dados da UNICEF, podem ser também, 6 mil anos a fornecer, por mês, uma caixa com 264 saquetas de um alimento especial para crianças gravemente mal nutridas, 50 doses de vacinas contra o sarampo, um quadro com duas faces para 12 salas de aula, 24 apagadores, 1.200 paus de giz branco, 1.200 paus de giz de cor, e vários medicamentos que ajudam a prevenir a transmissão de VIH de mãe para filho. Fazendo as contas por alto, consigo converter esses milhões de euros em géneros alimentícios e no total, para muitos dos que chamam casa aos recantos das ruas, para aqueles a quem as ruas erguem camas de calçada, são centenas de milhares de refeições quentes. Se mais uma vez deixarmos de delirar e olharmos a realidade, conseguimos converter todas estas sopas, livros, giz, vacinas e outros fúteis indexantes, para a bolsa resultante da recompensa pecuniária que é a subvenção do estado nas presidenciais.

Talvez um dia consigamos reciclar a capacidade que temos para o desperdício. Talvez um dia, no pouco tempo que resta das vinte e quatro horas que passamos em redor de nós mesmos, consigamos atingir a outra dimensão e ver mais. Não me refiro à dimensão daqueles que já partiram, mas sim daqueles que ainda cá estão mas que, talvez pela nuance das cores reflectidas pelo sol ou pela escuridão da noite, se tornam invisíveis aos nossos preocupados olhos. É que não se vêm pois não?

Talvez um dia não desperdicemos. Talvez um dia tiremos as mãos dos bolsos e as daremos a alguém. Um dia a ciência evoluirá e, se houver solidariedade para isso, seremos vacinados contra o egoísmo. Quando nos correr nas veias a vontade de mudar, alguém há-de sonhar que um dia, verá um homem sentado na rua apenas porque escorregou e, se sonharmos alto, até podemos ver mais alguém, que não seja uma criança, passar e ajudar a levantar o desconhecido.

Talvez um dia venhamos a exigir que a subvenção estatal seja para aqueles que precisam. Os nossos líderes gritam em voz alta que é preciso ajudar e que é imprescindível poupar. Isso, ninguém pode dizer que não sabe porque já todos sabemos e ouvimos. Quando veremos?

M.A.

Faz as contas. www.unicef.pt/artigo.php?mid=18101116&m=7&sid=1810111611&cid=4403