terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

A pique

 

“Quando havia iogurte na sobremesa divertiam-se a ver quem conseguia a colherada que mais tempo ficava a escorrer para a embalagem. Era um pagode!… Mas eram duas ou três vezes por mês.”

(...) A rua era a pique. O reflexo da noite brilhava nas saliências da calçada e o perfume a orvalho, que a chuva tinha deixado, prometia-lhe uma viagem fresca e silenciosa pelos paralelos mal amanhados.

Cada vez que uma saliência desenhava na água o reflexo das casas, sentia-se maior. Quem, no mundo, estaria a usufruir de um momento igual?

A servir de base à rústica imponência dos lampiões de duas cabeças, que se impunham em ziguezagues ao mesmo tempo que trocavam amperes competindo com a cauda da lua, o chão continuava a namorar as pupilas. O cansaço tinha adormecido por entre a humidade que tocava as palmas dos pés. Ia sorvendo o reflexo do revestimento espelhado que a chuva dava aos paralelos, à medida que as passadas o levavam até à fonte, lá no cimo, no centro do fim da rua. (...)

in "Estás aí?"
(c) 2012 Manuel Almeida