quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Colchão

 

“Cobriu-a com um sorriso. (...) deixando ao luar o prazer de a ver, de a fazer reluzir, ainda que na sombra, ainda que possa parecer sem brilho.”

A noite assobia uma leve e morna brisa que trespassa o peito e embala por entre o cartão canelado orquestrando breves assobios que lhe fazem lembrar as grades do berço e voz de outrora. A almofada tem perfume de cereais de cacau e até quase que os mastiga, de tão estaladiço que é o aroma.

Nunca deixa os trapos de lençol esticados, mal emaranhados com meio corpo descoberto, para convidar os transeuntes ao gesto de misericórdia com sabor a carinho de baunilha e beijos de canela. (...)

(…) Cobriu-a com um sorriso. Esticou os trapos emaranhados até à fonte dos cabelos loiro-sujo e dobrou ligeiramente para dentro, reconfortando os ombros e deixando ao luar o prazer de a ver, de a fazer reluzir, ainda que na sombra, ainda que possa parecer sem brilho. Talvez, mas era reluzente, fazia reflexo. Um reflexo que ficava.

in "Estás aí?"
(c) 2012 Manuel Almeida