‘‘Num momento orçamental controverso como o que o nosso país está a passar, qualquer tragédia com números inferiores a mil vítimas tem o tempo de antena contado’’
Num momento orçamental controverso como o que o nosso país está a passar, qualquer tragédia com números inferiores a mil vítimas tem o tempo de antena contado. Valham-nos as reportagens de qualidade inquestionável de um canal de televisão, apresentadas no fim de um noticiário pintado de política e enfeitado com repetidas letras da palavra “orçamento“, ou uns espectaculares episódios da vida animal para nos dar um pouco de vida real seja ela qual for.
É a “cólera” partidária e governamental que nos está a deixar suspensos para percebermos que números vão ser impostos (não consegui evitar a palavra) de forma a podermos gritar “tragédia” com algum conhecimento de causa, mas é numa instituição de solidariedade social que dezenas de crianças vêm o seu presente desaparecer, não fosse o futuro prometido ter a face de quem sai assim que as portas fecharem. E é também num país deste planeta que, como se não bastasse a sua economia destroçada, a verdadeira cólera assola frágeis vidas que já gastaram praticamente todo o seu crédito da caixa mágica ao atingirem sete de magnitude sísmica, e pelas quais esta terrível bactéria se tem propagado.
A cólera é de facto um organismo (infelizmente mais público do que gostaríamos) mas o seu grande investimento é realizado em intestinos desprotegidos e não na velocidade de propagação de um comboio de alta velocidade. Por muito esforço que faça esta vírgula tóxica em ter audiência nos nossos jornais televisivos, o valor das perdas humanas que tem conseguido na terra propensa a tremores sísmicos, ainda é inferior à venda a dinheiro das compras de computadores inquebráveis que, sei lá, um amigo, possa fazer no continente a preço de amigo e agarrando oportunidades de saldo com as duas mãos.
Vejo a palavra “esperança” cravada no marketing emotivo da responsabilidade social de canais televisivos e ao aperceber-me destas causas humanitárias que quase não cabem no guião do jornal da noite eis que ouço uma notícia de esperança: quem ajudou a recuperar os jardins dos miúdos que passam pelo alojamento temporário de terra com perfume de pólvora (iniciativa que honestamente louvo e peço por mais) é agora congratulado pelo grande investimento do grupo empresarial que integram sendo assim premiadas com umas novas instalações a pouco sul da cidade invicta. Pergunto se não dá para esticar um dos orçamentos e, assim que chegar o dinheiro dos apoios, desviar um pouco para a conta bancária de uma ou outra instituição de apoio infantil que esteja a caminho da desolação. Se acharem que mesmo assim não é mediático que chegue é só solicitar aos serviços gráficos um cheque de dimensões consideráveis para que um ou dois directores agarre de cada lado e assim se transforme um donativo em notícia.
Países, a precisar de ajuda, ou crianças, de um pequeno apoio, deviam era fechar as cortinas e dizer: Vocês queriam descobrir o que se passa aqui, não era? Queriam saber o nosso segredo? Assim, sim. Ganhariam com certeza a vontade de reportagem que tem a porta da sala de negociações no parlamento. Pouco falta para que um cabo de fibra seja esticado até lá, ligadas umas câmaras com infra vermelhos, e aí temos nós a segunda sala dos segredos… de estado.
Em relação ao Haiti, um bem haja a todos os médicos sem fronteiras e um especial para os de Cuba. Em relação à Ajuda de Berço aqui deixo as opções por ordem de selecção: qualquer caixa automática, inserir código secreto, seleccionar Transferências, Ser Solidário e Ajuda de Berço. Depois é só colocar o seu donativo (já sabemos que qualquer pequeno valor é uma grande ajuda) e no fim pode imprimir a factura para efeitos fiscais embora fique na expectativa se os “cortes” chegarão às operações de coração.
Apontas?... Por favor.
M.A.